Juntas e juntos pela reconstrução do espaço cívico
Em 2022, a Fundação Tide Setubal trabalhou de modo intenso e realizou esforços sem precedentes pela defesa da democracia. Ela é, mais do que um valor fundamental da Fundação, uma das razões de ser e estar para o desenvolvimento e apoio de iniciativas em múltiplas frentes no enfrentamento das desigualdades.
Dentro dessa lógica, a Fundação promove, por meio de seus programas de influência e áreas de atuação, debates e diálogos segundo os quais a defesa da democracia está intrinsecamente ligada à promoção da equidade racial e de gênero, assim como a dimensão dentro da qual é obrigatório investir em territórios vulnerabilizados e nas suas respectivas populações.
Se uma das frentes do trabalho colocado em prática em 2022 dentro dessa lógica contemplou ações para apoiar organizações que desenvolveram iniciativas para a emissão de títulos eleitorais para jovens que votariam pela primeira vez, outra focou a união de forças com outras para defender os entes públicos responsáveis pela realização do processo eleitoral contra ataques que colocavam em xeque o seu andamento. Em última análise, a abrangência dessas ações teve como ponto central a democracia participativa tal como a conhecemos.
Ações como essas, entre as demais iniciativas realizadas e apoiadas pela Fundação Tide Setubal, mostraram a urgência do envolvimento de frentes e atores plurais para a defesa do espaço cívico. Tais atributos estão em sintonia com o alerta feito por Ilona Szabó, empreendedora cívica, mestre em Estudos Internacionais e autora do livro A Defesa do Espaço Cívico. Na introdução da obra, Ilona destaca a necessidade de ampliar e reinventar o espaço cívico em todo o mundo – e que isso não aconteceria de uma hora para outra:
De um lado, os cidadãos terão de se levantar contra as ameaças, de outro, lideranças responsáveis precisarão formar coalizões amplas, capazes de se estender por diferentes áreas e geografias. No momento em que governos estão se voltando contra seus cidadãos, parece mais urgente do que nunca a ação cívica para intermediar novos pactos sociais e garantir um planeta mais solidário, cooperativo e sustentável para as futuras gerações.
Sendo assim, ao seguir a premissa de que questões complexas requerem respostas com o mesmo nível de aprofundamento – e multidisciplinares –, diversas ações foram colocadas em pauta para combater nas urnas um projeto com inclinações totalitárias. O nosso trabalho contemplou, com equivalência, a atuação para defender o processo eleitoral contra a intensa campanha de desinformação e tentativas de grupos antidemocráticos para sabotá-lo, assim como o diálogo com segmentos diversos para sensibilizar - e convencer - que a democracia só estará fortalecida se for acompanhada de medidas voltadas à promoção da equidade de raça, gênero e territorial.
Ainda que o projeto totalitário tenha sido derrotado nas urnas, o ensinamento deixado por 2022 para nós, com base na premissa segundo a qual o fim da história não existe, é que precisamos estar em permanente estado de vigilância para, entre outras coisas, garantir que o diálogo em âmbito democrático permaneça entre segmentos divergentes em favor do bem comum e da civilidade. Isso vale também para intensificar esforços e combater as múltiplas dimensões das desigualdades que, infelizmente, compõem o tecido social do país.
Para finalizar, o momento atual pelo qual o Brasil passa, apesar de estar melhor em comparação com o panorama vivido quatro anos atrás, requer atenção permanente e união de esforços para proteger o tecido democrático e a civilidade contra ataques antidemocráticos. Afinal, a defesa da democracia, assim como dos direitos sociais conquistados por meio de décadas de luta da sociedade civil organizada, é um processo diário e contínuo.
Estivemos juntas e juntos por um sonho coletivo em 2022, como você poderá ver na descrição dos programas idealizados e apoiados pela equipe da Fundação Tide Setubal em nosso Relatório Anual. Agora, deveremos permanecer, daqui em diante, com o propósito de construirmos um mundo coletivo pautado pela pluralidade e pela inegociável defesa da democracia e da cidadania ativa.
Boa leitura,
Maria Alice Setubal
A democracia não está dada, ela se constrói a cada dia
Sabíamos que 2022 seria um ano de muitas tensões. Prevíamos um cenário em que as desigualdades continuariam se aprofundando. Chegamos ao final de 2021 com a notícia de que o Brasil tinha quase 9 milhões de pessoas em situação de desemprego ou desalento, e 36% da população sofria com insegurança alimentar. Assim, a expectativa para 2022 era de um ano em que o país seguiria imerso em uma sensação de desamparo e profunda desconfiança – em relação às instituições, à justiça, às informações, ao futuro.
Embora o contexto fosse desafiador, é nessas situações que nossas convicções sobre trabalhar no terceiro setor e acreditar na mobilização da sociedade civil se reforçam e nos sentimos imbuídos de um imenso senso de responsabilidade. Por tudo isso, a Fundação Tide Setubal se preparou para atuar em 2022 de maneira incisiva, se posicionando no contexto político nacional e buscando fazer o máximo possível, a partir do seu lugar, em prol da democracia e da redução das desigualdades.
Seguimos nossas diretrizes estratégicas construindo um projeto de desenvolvimento consistente no Jardim Lapena, realizando nossos processos de fomento à agentes e causas e fortalecendo nossos programas de incidência. Mas, em 2022, tomamos como diretriz que todas essas nossas ações seriam fortalecidas com uma robusta comunicação a favor da democracia. Isso porque entendemos que a democracia é mais do que um regime político, ela é uma prática de resolução de conflitos e escolha de caminhos coletivos baseada na escuta, na inclusão e no diálogo. Por isso mesmo, sua defesa pode e deve ser feita a partir do cotidiano das pessoas, nas mais diferentes ações.
Em nossa prática local, a defesa da democracia se deu no momento em que o coletivo do Plano de Bairro voltou a se reunir presencialmente para discutir as ações de mobilização; ou quando o grupo de mulheres denominado Guardiãs do Bairros se organizou para uma formação em sustentabilidade e criação de iniciativas de compostagem; ou, ainda, no momento em que diferentes coletivos culturais promoveram eventos no Galpão ZL, reanimando o convívio no bairro. Também aconteceu a partir de um grande debate sobre mulheres e política, em que estiveram presentes Elaine Mineiro, Marina Helou, Tabata Amaral e Marina Silva.
Outro aspecto fundamental foi associar a democracia à construção de novos horizontes para o futuro, à capacidade do país de voltar a sonhar. Não se tratou de requentar a velha ideia de esperar algo que deve vir apenas em um tempo distante, mas sim de reforçar que a democracia é o modelo que pode garantir direitos agora para as gerações que ainda têm muito o que construir em nossa sociedade, revertendo o sentimento de desamparo e descrença que boa parte das juventudes vive e engajando esse grupo social em atividades públicas. Participar ativamente na campanha pela emissão de títulos de eleitor, pelo compromisso com o voto e o passe livre no dia das eleições foram algumas das iniciativas em que a Fundação Tide Setubal apostou nesse sentido.
Por fim, para nós, foi um ano de ampliar parcerias e convergir esforços. Estivemos presentes no importante ato de 11 de agosto na Faculdade do Largo São Francisco, momento em que foi lida a Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito, uma iniciativa ampla, pluripartidária, com engajamento de empresários, estudantes, juristas e muitas organizações e personalidades da sociedade civil. A partir daí, seguimos promovendo a articulação de esforços e atuamos ativamente na organização da Vigília Cívica, um conjunto de organizações que se propôs a monitorar o processo eleitoral e manter interlocução com organismos internacionais, meios de comunicação, órgãos públicos municipais, estaduais e federais responsáveis por assegurar as condições de transporte e segurança nas eleições, e que também fez a interface com a Justiça Eleitoral para o acompanhamento dos processos de garantia de integridade do sistema eleitoral.
Nesse sentido, apoiamos diversas iniciativas de combate à desinformação, inclusive integrando o Programa de Combate à Desinformação do Tribunal Superior Eleitoral.
Findo o ano de 2022, sabemos que cada esforço contou para que pudéssemos estar em 2023 retomando a ênfase pública na pauta da garantia de direitos e na construção de políticas de redução das desigualdades. Nesse sentido, agradeço imensamente à equipe da Fundação Tide Setubal, que assumiu com afinco seu papel nesse processo, deixando a certeza de que pudemos dar nossa contribuição da melhor maneira possível. Agradeço também à nossa rede de parcerias, sem a qual nosso impacto seria muito mais limitado. Pudemos mais uma vez reforçar a potência da colaboração e a importância de agir juntos na construção da confiança. Como dito anteriormente, a democracia não é apenas um regime, é uma prática. Como toda prática, depende das pessoas que acreditam nela e a constroem em seu dia a dia. Foram as pessoas que nos permitiram superar as tensões de 2022 e é com elas que pretendemos seguir caminhando para efetivar nosso sonho de uma sociedade mais justa e menos desigual.